Friday, March 21, 2008

Pros mesmos, enfático. Pra outros, 'outro'.

porquê não tornar um relacionamento mais amável,
uma amizade mais perpétua de gentileza, um ato de carinho declarado.

já nos é prometido que nalgum ponto há de haver um fim pro certo e o errado.
senão no instante da morte, em nada nos consta essa máxima de não-dever, não-viver, e não-amar.

nesse medo, que evita o desejo, aprofunda a solidão, que faz
do nosso hábito escravo e comandante dos mesmos trajetos,
artista sem paixão, sem novas cores, falho brilho no bocejo,

nessa tristeza, lentidão em viajar, movimentar, em viver, em sentir,
em toda agudeza precária persevera nossa humanidade.



de quanta aspereza de verdade e frieza de sentido,
ainda carece nossa vida pra que possamos dissuadir
com menos frieza de enchergar, nossa rigidez de amar?
.

Wednesday, March 19, 2008

Mussitação

caralho.

- folha em branco,
olho na folha,
alguma coisa escrita,
pouco a declarar,
engasgo da intuição.

me sinto um pouco mais leve, uf.

Saturday, March 15, 2008

Fragmento

Leporelo

É, o senhor me parece um homem difícil de converter. Bom, me diz aqui, qual é sua opnião sobre almas penadas?

Don Juan

Que o diabo as carregue.

Leporelo

(À parte) Essa descrença eu não posso aceitar. Não há nada mais vivo que uma alma penada. (Alto) A gente tem que acreditar em alguma coisa neste mundo - em que coisa o senho acredita?

Don Juan

Em que coisa eu acredito?

Leporelo

A pergunta é essa.

Don Juan

Eu acredito que dois e dois são quatro, Leporelo, e que quatro e quatro são oito.

Leporelo

Bela crença, essa aí! Então, pelo que vejo, sua religião é aritmética? É preciso reconhecer que a cabeça humana engendra tremendas besteiras. E que, em geral, quanto mais etudamos mais obtusos ficamos. Pois, comigo, que graças a Deus não estudei como o senhor, ninguém pode vangloriar-se de ter me ensinado nada. Mas, com meu diminuto bom senso e meu parco entendimento, vejo as coisas melhor do que todos os livros, e compreendo muito bem que este mundo que vemos não é um cogumelo que nasce sozinho no meio da noite. Eu gostaria muito de lhe perguntar quem fez essas árvores, essas rochas, essa terra, e esse céu que está lá em cima ou se todas essas coisas se fizeram sozinhas. O senhor, por exemplo, o senhor está aí, não está? O senhor se fez sozinho? Para o senhor ser feito não foi preciso seu pai engravidar sua mãe? Quando o senhor vê todas as invenções das quais se compõe a máquina do homem, o senho não se admira pela maneira como todas as peças se ajustam umas nas outras? Estes nervos, estes ossos, estas veias, estas artérias, estes... o pulmão, o coração, o fígado, e todos esses ingredientes que estão aqui e... Oh, danação, me interrompe um pouco, por favor. Ninguém pode discutir sem interrupção. O senhor fica calado de propósito - é de maldade que me deixa falar sozinho.

Don Juan

Espero que você termine o raciocínio.

Leporelo

Meu raciocínio é que, diga o senhor o que quiser, existe no homem uma coisa maravilhosa que nenhum sábio é capaz de explicar. Não é maravilhoso que eu tenha algum mistério na cabeça que me faz pensar cento e oitenta e quatro coisas diferentes no mesmo instante? E é capaz de fazer do meu corpo o que bem quer? Eu bato palmas, levanto os braços, ergo meus olhos para o céu, abaixo a cabeça, sapateio, vou pra direita, vou pra esquerda, pra frente, pra trás, giro... (Girando cai no chão).

Don Juan

Pronto, teu raciocínio acaba de quebrar a cara.

Leporelo

Desgraçado eu, por estar aqui tentando argumentar com o senhor. Creia em tudo ou em nada do que bem entender - a mim pouco me importa que o senhor vá para o inferno.

Don Juan

Mas, raciocinando tanto, acho que nos perdemos. Chama aquele homem lá embaixo e perguntar o caminho.

Leporelo

Olá! Olhe! O senhor aí! Tiozinho, vem cá! Amigo, uma palavrinha só!